sexta-feira, 8 de julho de 2016

Mônica Dorigo Correia, Embaixadora das Esponjas de Alagoas

Minha amiga Mônica era carioca como eu. Aliás, nunca conseguiu sequer disfarçar essa origem, mesmo após décadas de imersão em terras, e mais que tudo, águas alagoanas. Ela graduou-se pela Universidade Santa Úrsula, à época com uma boa formação em Biologia Marinha. E no caso de Mônica, complementada através de seu estágio no Departamento de Biologia Marinha da UFRJ. Foi nessa época que nos conhecemos. A década do Rock Nacional. Anos 80, muito som nas caixas, e muito trabalho nos laboratórios, onde começávamos a nos profissionalizar. Mas a Terra não para. Mônica seguiu seu rumo, entre Rio de Janeiro, Curitiba e finalmente Maceió. Eu o meu, entre São Paulo, Amsterdam, São Paulo de novo, e finalmente Rio de Janeiro.

Agora, já trocara a década, e Mônica se convertera em uma "sacoleira". E não agia sozinha! Já fazia tempo que tinha na cumplicidade de sua amiga Hilda, a certeza de que caminhavam na direção certa. A cada tantos meses, aparecia a dupla em meu laboratório, portando uma sacola cheia de amostras de poríferos dos recifes costeiros de Maceió. Foi quando nomes como Ponta Verde, Jatiuca e Piscina dos Amores começaram a retumbar em minha cabeça. Eu já havia estado em Maceió como turista, mas agora era o cientista que cutucavam com vara curta. Costurava-se aí uma colaboração que varou os anos 1990 e 2000, e teria seguramente varado as décadas de 2010 e 2020, não fosse o falecimento precoce de minha amiga, que nos deixou a todos sem chão, sem corrimão, estarrecidos com a reviravolta que dá o mundo a nosso redor, sem pedir licença.

As fotos a seguir são uma pequena amostra dos momentos que compartilhamos. Aliás, a vida é tão corrida que a maioria dos momentos sequer foi registrada. Mas o clima era esse que se vê nessas imagens. Muito amor à profissão, aí embutido o gigantesco amor pelo mar, seriedade nas horas de ser sério, descontração nas horas de não ser sério. Maceió passou a ser uma das válvulas de escape às quais recorro volta e meia para desacelerar o ritmo sulista, e o Rio de Janeiro permitiu à Mônica dar asas a alunos que fizeram por merecer sua confiança, e a fizeram apostar em seu futuro acadêmico. Pois seus braços alcançavam longe no território nacional quando o negócio era ajudar alunos a se desenvolverem. Maceió entrou definitivamente no mapa das esponjas do Brasil, e foi lá que nasceu este Blog, no início de 2010.








Dá para perceber que a dupla Artur e Merlim de aquacães era absolutamente inseparável de nossas aventuras? 


Mônica esteve presente aos dois Simpósios Brasileiros de Espongiologia, Curitiba (2008) e Salvador (2012), sempre muito participativa, integrada, torcedora, crítica quando necessário.
Ela tinha também grande orgulho de suas fotografias aéreas, que sem sombra de dúvida divulgaram a beleza e magnitude dos recifes costeiros do litoral central do Estado de Alagoas, para o Brasil, e vários cantos do mundo. Certamente, a mim elas fisgaram!


Celebração por uma semana produtiva, com boas coletas, palestras, ou o que fosse, tinha endereço certo - Wanchako. Não era difícil arrastar Mônica e Hilda para lá. Não pensem que do outro lado da câmera não havia um sorriso maior ainda!

Degustação de vinhos no Rio de Janeiro, ou degustação de cocos em Maceió? Não importa,. Sempre nos divertimos muito. Bom seria se seguíssemos assim. 

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A seguir algumas publicações que fizemos em parceria. Algumas ainda virão, e seguramente muitas outras viriam. No que depender de nós, continuaremos buscando novidades no litoral alagoano, um local privilegiado em termos de esponjas, águas quentes e claras, e praias paradisíacas.


"Primeira descrição das gêmulas de Ephydatia facunda Weltner, 1895 (Porifera, Haplosclerida, Spongillidae) por microscopia eletrônica de varredura, com observações subaquáticas de uma grande população do nordeste do Brasil" Nosso primeiro artigo em colaboração. Primeira vez que Eduardo viu esponjas de água doce por mergulho. 


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"Demospongiae (Porifera) dos recifes de coral rasos de Maceió, Estado de Alagoas, Brasil" Primeiro artigo derivado da Dissertação de Mestrado de Victor, desenvolvido no laboratório chefiado pela Mônica e pela Hilda, que hoje conta com uma coleção, que se ainda não o fez, certamente está à beira de alcançar os 1000 espécimes de esponjas

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"Mycale alagoana sp.nov. e dois novos registros formais de Porifera (Demospongiae, Poecilosclerida) de recifes de águas rasas de Alagoas (Brasil)"

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"Três novas esponjas intermareais (Porifera: Demospongiae) de recifes urbanos brasileiros em franja (Maceió, Alagoas, Brasil), e suporte à exclusão de Rhabderemia de Poecilosclerida" Segundo artigo da Dissertação de Victor, gerou uma tremenda repercussão na mídia tanto por conta de se tratarem de recifes do Município de Maceió, quanto pelo fato que cada espécie nova tinha uma cor distinta - amarela, vermelha e azul.

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"Duas novas espécies de Haliclona de águas rasas do nordeste do Brasil (Demospongiae: Haplosclerida: Chalinidae)". Primeiro artigo da Dissertação de André. 


A seguir, uma pequena seleção de imagens de esponjas alagoanas feitas pela Mônica, desempenhando seu papel de Embaixadora. Diversas destas espécies são novos registros para o Estado, e há também possíveis espécies novas que aguardam descrição.







quinta-feira, 26 de maio de 2016

TB'16 - Expedição TAXPOmol Biodescoberta 2016 (Dia 15)

FERNANDO DE NORONHA

14º dia da expedição (21/04/2016). Nossos dois primeiros mergulhos com a Atlantis (www.atlantisdivers.com.br). Sendo o que é para os aficcionados pelo mergulho em águas brasileiras, até que Fernando de Noronha carece de um número mais expressivo de operadoras de mergulho. O fato é que a Atlantis e a Águas Claras são referência no assunto do mergulho embarcado, seguidas por Noronha Divers a uma certa distância. Afora isso, pareceu-me só haver a alternativa do mergulho de praia, do qual falamos na postagem anterior. 

Nossa expectativa era, portanto, enorme! Não podíamos ter sido mais bem recebidos na operadora, e temos de agradecer nosso interlocutor, o Sr Ismael Escote, que não sossegou enquanto não conseguiu encaixar nossos objetivos de pesquisa no cronograma da empresa. Tínhamos agora certeza de que nossos principais objetivos seriam cumpridos, o que nos tranquilizava quanto ao investimento feito na expedição, diga-se de passagem, de recursos públicos outorgados pela CAPES/MEC, e no caso específico do trecho de Noronha, também da FAPESP.

O primeiro mergulho programado para este dia, informação que só se torna pública uma vez que já estejamos embarcados, foi na Lage Dois Irmãos. Estava prevista uma imersão na faixa dos 20-25 m de profundidade, e esperava-se que poderíamos encontrar aí a esponja mais emblemática de Noronha, também conhecida por Grande Esponja Barril, a Xestospongia muta.



E não é que encontramos mesmo?! A Grande Esponja Barril (do inglês Great Barrel Sponge), na região caribenha conhecida também como "Redwood of the Reef", em função de seu grande tamanho e idade avançada presumida. A espécie era relativamente comum na Laje Dois Irmãos, porém não chegamos a ver espécimes com sequer 1m de largura. Estes da foto têm possivelmente 50-60 cm cada.
Autores estadunidenses calcularam que um espécime de Xestospongia muta, a esponja de que estamos falando, com mais de 1m de largura teriam ao menos 100 anos de idade. Os poucos espécimes com mais de 2m de largura, cerca de 2000 anos! Isso sugere que possa se tratar dos animais mais velhos do planeta, mas há controvérsias quanto aos métodos utilizados para inferir a idade de uma esponja. Steven McMurray, da equipe do pesquisador Joseph Pawlik (Universidade da Carolina - Wilmington), utilizou imagens digitais de vários espécimes acompanhados por um período de 4 e 1/2 anos para avaliar o crescimento volumétrico dessas esponjas. [McMurray et al 2008 Marine Biology 155, 159-171]

O trabalho do taxônomo de Porifera envolve inevitável contato com o substrato. Selecionar amostras de material biológico, seja com auxílio de faca, seja de marreta e talhadeira, a tomada de imagens com a melhor qualidade possível no que tange ao foco, à iluminação e o uso de escalas, e a triagem destas amostras em suas respectivas bolsas previamente numeradas, não é algo que se possa fazer apenas flutuando. Nem muito menos de cabeça para baixo, uma das poucas forma de assegurar que seus pés não tocarão algum outro ser vivo inadvertidamente - descontadas as águas-vivas ... Mas o fato é que nosso trabalho causou muita estranheza à muita gente, gerando inclusive ameaças de suspensão da licença de pesquisa. Prefiro não aprofundar o tema. Julgamos que trabalhamos com responsabilidade dentro de nossas possibilidades. Se falta treinamento, a pergunta que fica no ar é óbvia: "Quem vai pagar por isso?"

Outra esponja que chama bastante a atenção em Fernando de Noronha é a Ectyoplasia ferox. Este espécime também da Laje Dois Irmãos tinha mais de 60-70 cm de largura. Essa é outra espécie que se supõe distribuída no Brasil e também na Região do Caribe, de onde foi descrita originalmente, e como tal, uma opção de modelo de estudo para nós. Mas não foi desta vez. Já tínhamos modelos demais, e faltava-nos recursos (humano e de capital) para processar tudo.

Ao fim do mergulho, nos 3 minutinhos de parada de segurança que se faz por volta dos 5 m de profundidade, é quando temos a oportunidade de olhar algo além daquilo que cresce agarrado às rochas do fundo. Não raro aparecem peixes de bom tamanho, como esta sernambiguara.

Mais frequentes ainda são as barracudas.



O segundo mergulho deste dia foi na Ilha do Meio. Quanta esponja!?!? Especialmente sob as lajes, e dentro das caverninhas que ocorrem no local. Foi de tirar o fôlego, e ao contrário dos turistas que tendem a preferir mergulhar em locais diferentes todos os dias, ficamos contentíssimos por ter tido a oportunidade de repetir esse mergulho como mergulho de despedida de Fernando de Noronha. Mas disto trataremos em outra postagem ...


A diversidade de crostas, cada qual com sua exuberância cromática é algo que não deixa de nos surpreender. Frequentemente é muito difícil ter certeza que determinada espécie já tenha sido coletada, pois mesmo dentre as crostas mais semelhantes, não raro encontramos 2, 3, ou mais espécies. Esta crosta alaranjada recebeu o código MNRJ 20125. A curiosidade é grande! Pena que os materiais coletados ainda não chegaram ao Rio de Janeiro.

MNRJ 20166, a esponja vermelha à esquerda, é uma Phorbas amaranthus. Ou melhor, ao menos enquanto nossa comparação de materiais brasileiros e caribenhos não contrariar essa hipótese. Descrita originalmente do Caribe, as crateras na superfície desta esponja são denominadas de crivos, ou áreas porais aureoladas. Aí estão concentrados os poros, sendo por onde a água é sugada para o interior do animal. Ainda nesta foto, uma Monanchora arbuscula ao fundo (rosada), e duas esponjas não identificadas à direita, uma sobre a outra. Reparem que a alaranjada também possui crivos, como a Phorbas, só que menores. Esta característica, por si só, sugere tratar-se de uma Crellidae ou uma Hymedesmiidae, famílias da Ordem Poecilosclerida.

Hora de retornar ao barco, ao porto, à pousada, à triagem e preservação das amostras, ao banho (nas raras oportunidades em que havia água para tal ...), para finalmente podermos almoçar. Essa conta não fechava, e o almoço acabava ficando com cara de jantar. A balança de casa comprovou a eficiência desta dieta!

segunda-feira, 2 de maio de 2016

TB'16 - Expedição TAXPOmol Biodescoberta 2016 (Dia 14)

FERNANDO DE NORONHA

14º dia da expedição (20/04/2016). Mergulho com a Mar de Noronha a partir da Praia do Porto, com o objetivo de avaliar que esponjas encontraríamos no naufrágio do navio grego "Eleani/Eleni Sthathatos" (www.naufragiosdobrasil.com.br), encalhado em 1929, afundando lentamente até 1946. Sabíamos de antemão tratar-se de um mergulho bem raso, de modo que a expectativa ficava por conta das esponjas incrustantes. Mas, tivemos uma grata surpresa, como relatado a seguir.


Ao chegar na Praia do Porto, nos deparamos com a infraestrutura que teríamos para o tão aguardado 1º mergulho. Em resumo: todas as bolsas foram para a areia de cara. Uma pena, porque todo o resto fluiu à perfeição, com guias dedicados, tranquilos, prestativos, e acima de tudo, o mergulho foi espetacular. Não se pode dizer que era o paraíso das esponjas, mas certamente um excelente começo de 3a perna da Expedição TAXPOmol Biodescoberta 2016. Tartaruga e arraia na entrada. Tubarão no durante. E barracuda na saída. Modéstia à parte, acreditamos que as próximas imagens deixam claro tudo isso.


O mergulho começou bem raso, em cerca de 3-4 m de profundidade. Mas não era a pouca água que impedia os muitos peixes de transitarem, por vezes escurecendo os locais onde trabalhávamos. Não há como não se emocionar com a magia de uma parede viva que se move praticamente em uníssono, e que responde quase que a cada um de nossos movimentos com pequenas ondulações ou drásticas mudanças de curso. À esquerda, parte da estrutura do navio grego sossobrado sobre o qual estávamos trabalhando.

Um cardume de típicos guardiões das locas. O naufrágio era bem recortado, com grande complexidade estrutura que permitia buscar esponjas nas mais diversas situações de inclinação do substrato e de exposição à iluminação. Porém, de uma forma geral, substratos de ferro não são a preferência das esponjas, de modo que a diversidade no naufrágio era menor que nas blocos de rocha (matacões) do entorno, em especial sob os mesmos.

Outro típico guardião das locas, com uma particular atração por naufrágios. Ainda me lembro da primeira vez em que os vi em um naufrágio em Salvador (BA), na caldeira do "Germânia", próximo ao Farol da Barra. Isso foi lá por volta de 1987 ... O fato é que estes "barrigudinhos" compartilham do mesmo gosto das esponjas por ambientes ciófilos (abrigados da iluminação direta), de modo que volta e meia nos encontramos durante nossas expedições de Biodescoberta.

Como dito, fossem essas estruturas rochosas, e veríamos esponjas em pencas. Em sendo de ferro, apenas crostas ou pequenas esponjas maciças eram encontradas. No caso específico deste setor do naufrágio, o espaço era muito apertado para permitir entrada e estudo detalhado da comunidade incrustante, o que só se podia fazer próximo às avarias do casco.

Cristiana e Camille buscando esponjas. No caso das duas, principalmente para o projeto de doutoramento de Camille. Ao menos uma Cliona e uma Monanchora elas encontraram.

MNRJ 20261 - Spirastrella hartmani. Essa era a espécie de esponja mais abundante no mergulho. A imagem inserida mostra como é cavernoso o corpo desta esponja. Perfurado por inúmeros canais e lacunas, o padrão não transparece da imagem maior, onde percebe-se apenas alguns canais que convergem aos ósculos (aberturas exalantes) da esponja. Essa espécie também apresenta padrão de distribuição Brasil-Caribe, e nos servirá para o estudo pretendido de influência do Rio Amazonas na conectividade de populações de distribuição ampla no Atlântico Tropical Ocidental.

André e Sula vêm trabalhando em dupla desde as primeiras coletas no Ceará. Apesar da água clara, o que permitiria um maior afastamento dos pesquisadores de forma a ampliar a área de busca pelas espécies alvo, como não temos câmeras fotográficas para todos, precisa-se trabalhar em dupla para assegurar que todos os espécimes coletados sejam fotografados in loco.

Um dos bisbilhoteiros que "pesquisam" o que fazem esses gigantes próximo à sua casa, raspando e quebrando alguns dos matacões onde ele costumava perambular dia após dia com tranquilidade. Aproximadamente 1h depois, tudo volta à mais santa tranquilidade ...

MNRJ 20280 - Mycale do grupo arenaria (Poecilosclerida), um achado inesperado. Espécie mais rara, originalmente descrita da Região do Cabo Frio por Eduardo e a pesquisadora francesa Nicole Boury-Esnault, de Marselha, seu status taxonômico está em cheque no momento. A bióloga Dora Leite, mestranda no Museu Nacional sob orientação de Eduardo, realiza um estudo onde deverá verificar se registros subsequentes de espécimes pertencentes a este grupo tratam-se da espécie original, arenaria, da espécie mais recente, alagoana, ou, quem sabe, tratam-se todos de uma única espécie, ou até mesmo de diversas espécies. Mycale alagoana foi descrita de Alagoas por Victor Cedro e colaboradores em 2011. Mycale arenaria foi citada para ilhas oceânicas brasileiras por Fernando Moraes e colaboradores (Atol das Rocas, Fernando de Noronha), e espécimes ainda não formalmente registrados, nem tampouco 100% identificados foram coletados por Eduardo na Martinica e no Panamá.

MNRJ 20124 - será uma Hyattella cavernosa? Se for, é a primeira vez que a vemos viva. Encontrada no final do mergulho, era uma das espécies mais abundantes no interior de uma parte do naufrágio dentre as mais rasas e recortadas, que na verdade parecia mais um microônibus.

Um dos residentes de maior personalidade no naufrágio, esse tubarão lixa (lambaru) resolveu dar uma circulada em dado momento, nos permitindo um registro diferente daquela clássica imagem onde o tubarão está meio dorminhoco dentro de uma loca.

Fim do mergulho. Cristiana, Eduardo e o Divemaster André (Mar de Noronha) chegam de volta à Praia do Porto.

Um bom mergulho sempre pede uma comemoraçãozinha básica depois, a qual, porém, não pôde se estender mais que 20-30 min, dada a necessidade de fixar o material coletado para os diversos estudos pretendidos.

Já na pousada, hora da triagem do material que vai direto para o etanol (taxonomia), que vai ser limpo para em seguida ser preservado no etanol (quimiodiversidade), cacodilato e glutaraldeido (histologia), RNAlater (sistemática molecular), etc ...

sábado, 30 de abril de 2016

TB'16 - Expedição TAXPOmol Biodescoberta 2016 (Dias 13-19)

FERNANDO DE NORONHA

Quanta expectativa! Viajar para Noronha decididamente não é para qualquer um, e percebe-se que paira sobre a ilha uma aura de "não me toque", por conta de uma suposta fragilidade, cujo abraço acolhedor custa aos afortunados visitantes uma taxa (e não é qualquer taxa ...) de preservação ambiental, uma taxa de visitação do Parque Nacional (OK, muitos parques cobram), mas mais que tudo, preços exorbitantes desde uma simples garrafinha de água-mineral até outros, de outra ordem de grandeza, no tocante à hospedagem, transporte (afora o ônibus de horário incerto), alimentação, etc.

Mas, como qualquer pedaço do território brasileiro, este também merece ser estudado. Desta forma, como pesquisadores, e após um considerável esforço no sentido de obter as necessárias licenças e isenções, rumamos para as ilhas. Já de cara no aeroporto de Natal (São Gonçalo do Amarante) a "agradável" surpresa de que cada kg extra de bagagem nos custaria R$23,00 pela companhia Azul. Foram R$800 apenas por conta disso. Vá conseguir espremer equipamentos de mergulho, de coleta (marretas, sacos, frascos, ...), freezer portátil, etc ... dentro dos 23 kg de direito de cada passageiro!

Porque escolhemos Fernando de Noronha? Essa é fácil. Era o único local que conhecíamos na costa brasileira em que seria garantido conseguir material da Grande Esponja Barril (Xestospongia muta), um dos alvos da tese de Camille. Ela já havia buscado a espécie em Salvador, onde já a vimos anteriormente, porém sem sucesso. Lá ela é rara e pequena, ao menos nos locais próximos à Salvador em que normalmente se mergulha. Portanto tínhamos de ir. 

Chegando em Noronha, a 2a surpresa, nossos nomes não constavam da lista online de isentos da taxa de preservação, pequena contrapartida do governo pernambucano para facilitar a vida daqueles que não visitam a ilha na condição de turistas. Mas o fato é que a espera no aeroporto passou num piscar de olhos pois a cordialidade das Sras. responsáveis por verificar o tema da isenção era a melhor possível.

Eis a ilha (arquipélago) em questão. À noroeste, o acolhedor Mar de Dentro, onde realizamos praticamente todas nossas atividades de pesquisa. À sudeste, o inquieto Mar de Fora, que não nos permitiu uma visita desta vez, assim como o fizera em 2003, quando da última, e também primeira visita ao arquipélago. As setas apontam nossos pontos de mergulho, alguns visitados duas vezes apesar dos esforços da Atlantis para nos levar a novos locais em cada mergulho

Finalmente chegamos à Pousada do Eli, que como quase tudo em Noronha, oferece menos por mais. Porém, aqui também não há qualquer queixa quanto à cordialidade do pessoal, pois Paula e Emerson fizeram o que estava ao seu alcance para que nos sentíssemos em casa. Uma marca registrada nossa é que não raro não cabem nos quartos da pousada toda a tralha que carregamos conosco. Desse modo, ocupamos boa parte da mansarda da pousada, fato facilitado pela conveniência de que não havia muitos outros hóspedes, e pelo fato notável de que, ao que consta, roubos não são frequentes na ilha. Desta forma conseguíamos quase secar nossos equipamentos de mergulho entre um dia e outro, o que jamais ocorreria tivesse tudo ficado empilhado dentro do banheiro. Mais importante, senão mesas e cadeiras, tínhamos ao menos espaço para processar os materiais coletados, o que sempre levava ao menos um par de horas após cada saída para mergulhar. O ICMbio viria a nos oferecer a possibilidade de utilizar uma área de laboratório, mas como cada ida do porto ou da pousada ao instituto nos custaria R$100 a ida e volta dos dois táxis necessários, optamos por nos virar na pousada mesmo. Dessa forma, também podíamos nos valer do apoio dos quartos (materiais de triagem, frigobar, minifreezer, etc).

Uma vez instalados, a prioridade 1 era ir ao ICMbio nos apresentar e discutir um plano de trabalho. Encontramos com o Chefe do PARNA, Eduardo C. de Macedo, e funcionária Thayná J. Mello, responsável pela área de pesquisa dentro da unidade de conservação. De cara estava claro que tínhamos um entrave a falta de um cronograma de atividades definitivo. Ter um cronograma definitivo implicaria em fretar um barco de mergulho exclusivo, o que estava fora de nossas possibilidades. A melhor oferta que obtivemos foi de R$5.500,00/dia, caso a tivéssemos fechado até Dezembro do ano anterior. Mas, o contingenciamento pela CAPES dos recursos outorgados a nosso projeto, e a perspectiva de ter de gastar muito em Fortaleza para viabilizar nossas almejadas coletas em alto mar, impediu de todas as formas que considerássemos essa opção. Assim, chegamos à ilha sem um cronograma definitivo. Combinamos que tão logo o tivéssemos, informaríamos o ICMbio.

Próximo passo, operadoras de mergulho, para ver o que conseguíamos em termos de "desconto para pesquisadores", na esperança de não voltar de Noronha sem um mergulho na bagagem ao menos. Afinal, no mínimo mais minimalista, precisaríamos amostrar a Grande Esponja Barril. Lembram-se? Obviamente, não éramos seis pesquisadores na ilha à cata de uma esponja! Mas, se não conseguíssemos viabilizar os mergulhos SCUBA, ao menos snorkel faríamos.

Fechamos com a Atlantis (www.atlantisdivers.com.br). Conseguimos um preço especial, ainda bem mais caro que em Cabo Frio (RJ), porém bem melhor que aquele reinante em Noronha, de uma forma geral. Nos foi prometido também que se faria o possível para acomodar as escalas de mergulhos turísticos com nossa necessidade de visitar determinados pontos em busca de nossas esponjas. Isso teria sido muito mais fácil se tivéssemos condições de arcar com os custos de uma embarcação exclusiva. Mas como não era esse o caso, a preocupação da Atlantis em viabilizar nosso trabalho, nos deu um grande alívio.

Seria injusto de nossa parte não ressaltar o papel essencial prestado pela operadora de mergulho Mar de Noronha (www.facebook.com/mardenoronha), na icônica e simpática figura do Bodão, para o sucesso de nossas pesquisas. Em primeiro lugar, era através dos mergulhos de praia da Mar de Noronha que sabíamos que ao menos um SCUBA faríamos em Noronha, pois os custos aí eram bem mais acessíveis, e foram ainda mais graças ao "desconto pesquisador". Em segundo lugar, foi o Bodão que se prontificou a receber e armazenar o etanol que enviamos de Recife para Noronha de navio, já que no avião ele não viajaria nem por Decreto. Sem etanol em Noronha, estaríamos de mãos atadas, tendo de voltar alguns séculos na história e secar nossas esponjas ao sol. E como este foi o 1º mergulho que fizemos em Noronha, é dele que sairão as imagens da próxima postagem. Até lá!