sábado, 16 de abril de 2016

TB'16 - Expedição TAXPOmol Biodescoberta 2016 (Dias 03-05)

3º, 4º e 5º dias de expedição (09-11/04/2016): 2a e 3a coletas no entremarés, desta vez na descohecida Praia do Boi Choco, vizinha à de Dois Coqueiros. Tudo alagado, muito chuva no caminho, alguma dificuldade em encontrar o local, mas a visão dos recifes expostos na maré baixa era de tirar o fôlego. Não estamos falando de quaisquer marés! Vejam o trecho correspondente da Tábua de Marés para o Porto do Pecém, bem próximo a nosso ponto de coleta. Tivemos maré negativa no dia 09, e 0,3 no dia 11. No Domingo, dia 10, nos dedicamos a identificação preliminar do material já coletado, tendo feito algumas descobertas interessantes.


Tábua de Marés dos dias 09-11 de Abril de 2016 para o Porto do Pecém (CE). 

Recife da Praia do Boi Choco, com indicação da localização das principais piscinas em que coletamos (elipse) e o local onde se pode estacionar o carro (seta).

Recifes costeiros de arenito da Praia do Boi Choco (Caucáia, CE). Algumas destas piscinas possuíam amplas áreas com profundidades na faixa dos 50-80 cm, e na borda do recife, até mesmo 2-3 m de profundidade ocorria, com grandes locas semi-obscuras. Em sua ampla maioria estes ambientes abrigados da iluminação direta estavam recobertos por esponjas e ascídias coloniais.

Alguns locais são guardados a "unhas e dentes".

Sula Salani Mota encontra sua primeira Tedania ignis, espécie que também deverá ser estudada no âmbito das comparações Brasil x Caribe pretendidas em nosso projeto.

Em nossa incansável busca por Chondrilla do complexo nucula, esbarramos em várias Chondrosia aff. reniformis (foto acima). Chondrilla nos foi encomendada pela Profa. Dra. Michelle Klautau (UFRJ) e sua doutoranda Baslavi C. Lujan, que também se dedicam à caracterização da conectividade Brasil x Caribe. Nos foram encomendadas ainda algumas espécies de Calcarea, que infelizmente não deram suas caras até agora.

MNRJ 20060, uma provável Haliclona (Haplosclerida) que deverá ser estudada por André Bispo em seu doutoramento.

MNRJ 20046, Scopalina ruetzleri (Scopalinida), espécie abundante na Praia do Boi Choco, bem como em todo o Atlântico Tropical Ocidental. Portanto, nada mais natural que se trate de um de nossos alvos para as comparações Brasil x Caribe. Neste caso específico, a Dra. Mariana Carvalho, ainda em seu mestrado encontrou ampla variação morfológica ao longo da costa brasileira, o que precisa ser visto em maior detalhe. Estudo conduzido por pesquisadores espanhóis com distintas populações do que se acreditava tratar de Scopalina lophiropoda constatou a existência de um complexo contendo ao menos quatro espécies crípticas (Blanquer A, Uriz MJ 2008. Invertebrate Systematics 22, 489-502).
No dia 09 ainda encontramos forças para, novamente, celebrar o aniversário do André. Em 2014 estávamos em Maracajaú nesta data. Eduardo mal podia abrir os olhos.

MNRJ 20126, outra Haliclona (Haplosclerida) que será "interrogada" pelo André. Essa esponja rosa-lilás, segundo corre pelos bastidores, está com pinta de espécie nova.

MNRJ 20085 é epibionte no octocoral Carijoa riisei. Não era uma associação muito comum nas piscinas que visitamos, mas é um padrão que se observa nos mais distintos cantos do planeta. Eduardo, em seu pós-doutoramento na USP coletou grande número de esponjas valendo-se desse substrato no litoral norte do Estado de São Paulo. Em 2013, pesquisadores italianos publicaram um amplo estudo sobre poríferos epibiontes em octocorais no Indo-Pacífico, boa parte dos quais coletados sobre Carijoa riisei (Calcinai B, Bavestrello G, Bertolino M, Pica D, Wagner D, Cerrano C, 2013. Zootaxa 3617, 001-061).

Dentre os habitantes desta face inferior de pedaço de recife, várias esponjas (branca, amarelada, laranja) e ascídias (branco mais branco). As duas bolinhas amarelada e laranja pertencem ao gênero Tethya (Tethyida), que apesar dos recentes estudos dedicados às espécies brasileiras, permanece com sua diversidade, sem sombra de dúvidas, subestimada em nosso litoral (Ribeiro SM, Muricy G, 2004. Zootaxa 557, 1-16. Ribeiro SM, Muricy G, 2011. Journal of the Marine Biological Association of the United Kingdom 91, 1511-1528).

Cliona do grupo celata (Clionaida), encontrada, coletada e identificada por Camille, que após uma Dissertação de Mestrado dedicada à taxonomia de esponjas perfurantes do Brasil (da família Clionaidae), enxerga essas esponjas "até debaixo d'água" (e de olhos vedados ...). Cada papila amarelinha que se vê nesta imagem não tem mais que 1-2 mm de diâmetro.

Maré subindo, hora de voltar para a praia. Não sem antes disparar uns cliques descontraídos, que em se tratando deste tipo de ambiente, as meninas aceitam que não se tomem com os celulares. Imagino que na próxima expedição alguém já esteja levando o celular ensacado para a apnéia. À frente, André. Na piscina, Camille (de máscara rosa), Cristiana, Sula e Humberto.

Humberto dessalgando nos minutos que antecedem o avanço coletivo sobre a macaxeira frita, iscas de peixe e outros kitutes, para em poucos minutos transformar-se o restaurante em laboratório de praia, com diversas mesas tomadas pelos trabalhos de triagem e fixação de amostras (etanol absoluto, RNAlater, Bouin, glutaraldeído e cacodilato de sódio, congelament

E agora que vocês já sabem tudo de Boi Choco sob as ondas, vejamos o que nos diz João Soares Neto, de Boi Choco de cara para o mar ... 



"BOI CHOCO - Jornal O Estado

Cansado das praias conhecidas, bares, clubes e restaurantes onde sempre encontramos as mesmas figuras, algumas tristes, como as queria Cervantes, outras saltitantes, como manda a vida que escolheram, fui, com pequeno grupo de amigos, levado ao Boi Choco. Certamente, vocês não sabem onde fica o boi choco. Eu também não sabia. Ele não consta de roteiro turístico, tampouco dos lugares aonde os saltitantes espíritos vão ao sair de casa, não para comer ou beber, mas para serem vistos ou ver e falar o que não sabem.

O Boi Choco é um lugar perdido na zona oeste, no lado onde o sol dormita no crepúsculo, depois da barra de um rio, logo após o passar da grande ponte e começa outra cidade. Depois de se passar por um arruamento precário, chega-se a uma nesga de praia com pouca areia, em maré cheia. e uma curva profunda, com barracas de palha, mesas de madeira velha, cadeiras tortas e maresiadas, sons bregas emitidos por toca-fitas de carros com muito tempo de fabricação, múltiplos donos e alquebradas funilarias, mas que se afoitam a varar o areal, munidos de espontâneos capatazes dispostos a empurra-los quando o eixo traseiro afunda.

E foi em um desses bares, onde o próprio dono serve os comes e bebes vestido em encardido calção de cor indefinida e mostra as pelancas de sua protusa barriga, que ficamos. Ao lado, havia pessoas misturando cachaça com sukita e tirando gosto com cerveja, sem esquecer de dar uma colherada em um baião-de-dois que mostrava a independência do feijão e do arroz.

E foi lá que vi um bêbado que não era equilibrista, certamente não ouvira falar em Aldir Blanc, trocando as pernas e tartamudeando palavras, mas não escondia o desejo de mais uma bicada. Não sei se continuará bêbado, mas todo o seu sistema renal deveria estar sendo cobrado e os olhos vermelhos demonstravam a queda dos seus impulsos. E nas paredes estavam sendo afixados cartazes de candidatos, não mais com a velha cola branca, pois são autocolantes, eleição moderna, ora vejam. E quando me distanciei da roda para ver o mar de perto, ouvi o pio do meu celular inform@r que a bateria havia descarregado e eu estava só, isolado e olhando para a minha cidade, tão perto, mas distantemente silenciosa, não mais aquela que nos aconchegava a todos, mas a que amedronta em todas as esquinas, ruas e lugares. Ali, em meio ao sol da tarde e ao vento agudo que trazia micro grãos de areia vi meus olhos marejarem, mas isto é outra história.

João Soares Neto,

cronista

CRÔNICA PUBLICADA NO DIÁRIO DO NORDESTE EM 08/09/2006.

JOÃO SOARES NETO

CRONISTA"

(retirado de http://www.joaosoaresneto.com.br/artigo.asp?id=573)

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