"BOI CHOCO - Jornal O Estado
Cansado das praias conhecidas, bares, clubes e restaurantes onde sempre encontramos as mesmas figuras, algumas tristes, como as queria Cervantes, outras saltitantes, como manda a vida que escolheram, fui, com pequeno grupo de amigos, levado ao Boi Choco. Certamente, vocês não sabem onde fica o boi choco. Eu também não sabia. Ele não consta de roteiro turístico, tampouco dos lugares aonde os saltitantes espíritos vão ao sair de casa, não para comer ou beber, mas para serem vistos ou ver e falar o que não sabem.
O Boi Choco é um lugar perdido na zona oeste, no lado onde o sol dormita no crepúsculo, depois da barra de um rio, logo após o passar da grande ponte e começa outra cidade. Depois de se passar por um arruamento precário, chega-se a uma nesga de praia com pouca areia, em maré cheia. e uma curva profunda, com barracas de palha, mesas de madeira velha, cadeiras tortas e maresiadas, sons bregas emitidos por toca-fitas de carros com muito tempo de fabricação, múltiplos donos e alquebradas funilarias, mas que se afoitam a varar o areal, munidos de espontâneos capatazes dispostos a empurra-los quando o eixo traseiro afunda.
E foi em um desses bares, onde o próprio dono serve os comes e bebes vestido em encardido calção de cor indefinida e mostra as pelancas de sua protusa barriga, que ficamos. Ao lado, havia pessoas misturando cachaça com sukita e tirando gosto com cerveja, sem esquecer de dar uma colherada em um baião-de-dois que mostrava a independência do feijão e do arroz.
E foi lá que vi um bêbado que não era equilibrista, certamente não ouvira falar em Aldir Blanc, trocando as pernas e tartamudeando palavras, mas não escondia o desejo de mais uma bicada. Não sei se continuará bêbado, mas todo o seu sistema renal deveria estar sendo cobrado e os olhos vermelhos demonstravam a queda dos seus impulsos. E nas paredes estavam sendo afixados cartazes de candidatos, não mais com a velha cola branca, pois são autocolantes, eleição moderna, ora vejam. E quando me distanciei da roda para ver o mar de perto, ouvi o pio do meu celular inform@r que a bateria havia descarregado e eu estava só, isolado e olhando para a minha cidade, tão perto, mas distantemente silenciosa, não mais aquela que nos aconchegava a todos, mas a que amedronta em todas as esquinas, ruas e lugares. Ali, em meio ao sol da tarde e ao vento agudo que trazia micro grãos de areia vi meus olhos marejarem, mas isto é outra história.
João Soares Neto,
cronista
CRÔNICA PUBLICADA NO DIÁRIO DO NORDESTE EM 08/09/2006.
JOÃO SOARES NETO
CRONISTA"
(retirado de http://www.joaosoaresneto.com.br/artigo.asp?id=573)
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